Sentada na Pia

Porque esse poderá ser o último recurso de um pai e uma mãe de primeira viagem na Coreia do Sul…

Scanners

Há um mês levei a Beatriz ao hospital para tomar a vacina da encefalite japonesa, doença endêmica da Ásia. Já saí de casa no espírito de aguentar o piti na sala do Dr. Yu, nosso médico da família. E de quebra levei o iTouch com todos os desenhos preferidos dela, só prá dar aquele escarambolô básico na atenção da Pequena dentro do consultório durante o exame que dura 30 segundos (mas que parece uma eternidade quando os decibéis atingem níveis insuportáveis até para médicos experientes).

Tudo ocorreu conforme programado: Beatriz com iTouch na mão e Pocoyo na tela, Dr. Yu fazendo malabarismos para auscultar/medir temperatura/checar garganta, ela meio berrando meio não querendo perder a sequência do desenho. Trinta segundos depois, tudo certo e à caminho da sala de injeção.

Beatriz tem medo do Dr. Yu, mas não da enfermeira que aplica a vacina. Ela deu um grito meio chororento, mais reclamando por ter sido brutalmente interrompida enquanto assistia ao Pateta jogando baseball do que por ter levado uma picada no braço. Mais uma missão cumprida.

Mas, antes de sair do consultório do Dr. Yu, ele diz:

– Quiero ver-la en el próximo Jueves, para la vacuna de hepatite A. *

Tá bien, tá bien… que sea…

Em uma semana voltamos ao hospital. Beatriz saiu de casa serelepe mas murchou quando chegamos à sala de espera do Dr. Yu. Ela sabia aonde estava. Nem o iTouch estava dando conta.

Em alguns minutos, entramos para o check-up pré-vacina.

Dr. Yu enfiou o termômetro no ouvido dela, enquanto eu cantava uma música para que EU me distraísse do berreiro.

– Tiene fiebre…

– Hã??? Febre, Dr. Yu? Tá lôco, é?

– Si, tiene fiebre. A ver… si, tiene fiebre.

– Mas não pode ser, ela não tem nada! Está comendo como um touro, e até a pouco, antes de sair de casa, estava brincando toda feliz.

– Pero tiene fiebre… A ver la garganta… Si, está um poco inflamada. Vacuna solamente el próximo Jueves.

E passa aquela lista de remédios para febre, inflamação, bla bla blá.

Saio do hospital carregando aquele saco de batatas, quase desfalecendo de tão mole. Comprei todos os remédios da farmácia. Mas tinha que ir ao mercado comprar algumas coisas que eu precisava, então voamos para lá. Voei fazendo as compras para chegar logo em casa e medicá-la. Ela estava pegando fogo, e eu não acreditava em como a coisa tinha se desenvolvido. Saímos do supermercado, ela chorando muito. Até que quando entramos na avenida principal que leva à nossa casa, algo aconteceu: ela levantou a cabeça para checar aonde estávamos e a sua feição mudou completamente. Quando viu que subíamos o morro que leva ao condomínio, ela colocou um belo sorriso nos lábios. Entramos em casa, e já sem sapatos ela saiu correndo em direção aos brinquedos.

Vou atrás do termômetro, e… 36.2C. Cadê a febre que estava aqui? Essa droga já quebrou, pensei. Testei em mim. 36.5C. Bom, funcionando está, talvez tenha sido o cabelo na testa. Meço novamente. 36 e alguma coisa. De novo. 36 e alguma coisa de novo. Ponho a mão na testa, no corpo, na mão, todos os lugares que antes estavam fervendo. Nada.

Passo a tarde monitorando a Pequena, imaginando uma infecção bacteriana que brinca de oscilar a temperatura enquanto age na surdina. Nada nada naaaaaaaaaaaada.

Sim, amigos leitores. Beatriz serviu-se daquela parte do cérebro de achamos que não serve para nada, elevou sua temperatura corporal e fugiu da raia.

Não acredita?

Pois, na quinta-feira seguinte, dia suposto a tomar a primeira dose da hepatite A, ela não quis sair de casa de jeito nenhum. Travava os braços para não tirar o pijama, fugia na hora de trocar a fralda. Até joguei baixo, dizendo que iríamos passear.

Passamos aquela quinta-feira dentro de casa.

Primeira dose de hepatite A, só no mês que vem…

Scanners… Medo…

*Sim, Dr. Yu é fluente em espanhol, pelos anos de missão nas minas de cobre no Peru. E além de médico da família, é diplomata coreano.

29/03/2011 Posted by | Beatriz, Esquema | 7 Comentários